domingo, 29 de março de 2020

De Laguna à Pinheira

Passando pelo Farol de Santa Marta

No final da manhã de 26 de fevereiro, sempre com aquela brisinha mixuruca, chegamos a Laguna, onde mais uma vez seria necessário fazer uma escala para reabastecermos não apenas com o óleo diesel, mas também com gás, cerveja e outros alimentos menos essenciais. A entrada da barra foi meio tensa. Quando já estávamos quase entrando, enxerguei uma boia meio desbotada que indicava que o canal estava em outro lugar. Optamos por confiar no mapa do GPS e deu tudo certo. Mas era só o começo, pois nosso calado de metro e meio não era o mais adequado para passear por ali. Sinalização de canal, nem pensar. Fomos seguindo devagar pela direita, por onde vimos outros barcos.

Atracamos num trapiche vago e conversamos com pessoas que estavam por ali, e nos deram informação sobre onde ir, nos arrumaram um taxi e ainda ficaram tomando conta do barco. Para completar, o Ingo conseguiu uma mangueira substituta para o motor, com um sujeito que tinha uma oficina ali do lado, grátis.

O sol do meio dia nos encontrou (e castigou) andando pela cidade, onde almoçamos, fomos ao supermercado, ao posto de gasolina e à distribuidora de gás, tudo isso em pleno sábado de Carnaval, no meio da galera fantasiada e carros com sonzeira de tudo que é estilo. Por sorte era cedo e ainda dava pra andar na rua, pois se fosse mais tarde talvez encontrássemos tudo engarrafado. Demos boas risadas.

Entardecer no mar
Fomos embora loucos para voltar ao mar, torcendo para não encalhar na volta. A primeira onda que bateu no casco e respingou no convés, depois de sairmos da barra, foi recebida com gritos de alegria. O vento, para completar, tinha melhorado. Finalmente, desligamos o motor. O plano era irmos direto até a baía norte da Ilha de Santa Catarina, onde morava nosso amigo Carlos, que nos esperava, mas a previsão de chegada era no meio da madrugada. Para isso, teríamos de passar à noite pelo estreito que dá acesso à baía sul, entre a Ponta do Papagaio (no continente) e a dos Naufragados (na ilha, o nome já diz tudo), lugar perigoso pelas pedras e correntes causadas pela maré.

Como estava no meu turno, os parceiros dormindo, decidi fazer uma escala na Pinheira, para esperar o amanhecer. Logo o Paulo acordou e apoiou a ideia. Já era uma da madrugada quando lançamos âncora, primeiro ao norte da baía (eu achava que os morros nos protegeriam do terral que estava soprando), mas logo mudando para o sul, onde não entravam as ondas. Além de ser naturalmente um excelente abrigo essa praia, a iluminação pública era muito forte, facilitando a visibilidade.

Essa escala improvisada acabou sendo (para mim) o ponto alto da viagem, pois de manhã, quando nos jogamos na água, percebi que o objetivo principal era esse. Depois de tantos verões viajando de carro e ônibus até as belas praias de Santa Catarina, de ter ficado olhando com inveja aqueles veleiros que chegavam e ancoravam por ali, finalmente eu tinha chegado num deles. Chegar pelo mar na praia é que era o barato!

quinta-feira, 26 de março de 2020

De Rio Grande a Torres

Primeiro alvorecer no Atlântico Sul
Vencidos os molhes da barra de Rio Grande, rumamos para o Nordeste, acompanhando a costa deserta onde mal se via alguma luz aqui e ali. Mas as luzes das cidades ao longe, refletidas no céu, ajudavam a dar uma ideia da posição e da distância em relação à praia. Assim foi a noite toda e o amanhecer de sexta 24, com vento quase zero e motor funcionando o tempo todo.

Como nosso estoque de óleo diesel não era grande, foi preciso fazer uma escala para reabastecer, em Tramandaí. Na hora de lançar âncora, defronte à barra do Rio Tramandaí, fiz duas besteiras seguidas. Primeiro, saí correndo rumo à proa, para soltar a âncora, e devido ao bote inflável estacionado ali passei muito perto da borda do barco. Ao mesmo tempo, uma onda estava passando, como quem não quer nada, o que fez meu pé perder o contato com o convés (o chão onde eu pisava). O tombo n'água era iminente, mas aí cometi o segundo erro: tentar me segurar no guarda-mancebo (aquele cabo de aço que circunda toda a embarcação), por cima do qual eu fui lançado, usando mãos e pernas. Acabei pendurado, "ganhando" um arranhão na perna e torcendo um pouco o joelho,  por pura sorte, sem gravidade. É provável que cair no mar - o barco já estava parado, e os parceiros a bordo - tivesse sido mais divertido e inteligente, além de refrescante. Ainda precisei de ajuda pra sair daquele enleio, pois nem conseguia me puxar de volta sozinho.

Mas teve mais perrengue por ali. Embarcamos o Ingo no inflável, com um monte de galões vazios, rumo à praia. O Paulo conseguiu contatar o amigo Tonho Ely por telefone, quem se dispôs a dar carona até o posto de combustíveis. Na rebentação, lá se foi o bote onda abaixo, e o Ingo pra água com seus galões, por sorte amarrados um ao outro. Aparentemente, nada além de um banho forçado. Ao chegarem ao posto, contudo, a constatação: a carteira tinha se extraviado durante o pequeno naufrágio. O Tonho generosamente emprestou o dinheiro e trouxe o capitão de volta à praia, devidamente abastecido. Mais tarde, alguém encontraria a carteira. Mais um pouco de sorte.
Mais calmaria que isso, impossível...

Seguimos viagem faceiros. Ao passarmos por Xangri-lá, fizemos contato por telefone com o amigo Jorge, que estava veraneando por ali e viu nossa vela passar ao longe. Ao anoitecer, estávamos passando por Torres e entrando em Santa Catarina. O vento ia melhorando, muito lentamente. No meio da madrugada, durante o meu turno, eu tentava aproveitar aquela pálida brisa, porém o rumo do barco (que era preciso manter para aproveitá-la) ia dar na costa, lá adiante. Mantive até o último minuto, já sabendo que ao mudar o rumo teria de desistir da vela e ficar só no motor. Pois não é que bem naquela hora o vento muda a nosso favor? Mais um pouco de sorte, e já estávamos esbanjando a essa altura.

Não posso terminar a jornada sem ao menos tentar descrever a sensação de estar sozinho no convés, pilotando um barco à vela à noite no mar, que é das mais incríveis. Sensação de solidão absoluta e desamparo ante as forças da natureza, mesmo você tendo feito todo o dever de casa, tendo que contar com a sorte (de novo) de que nada vai estragar (no barco) ou dar errado (cruzar com uma baleia, uma rede ou sei lá). E apesar disso, ou por isso mesmo, é um prazer. O jeito é se concentrar no que é preciso e possível fazer, e não pensar muito no que pode acontecer. (E rezar, pra quem curte).