terça-feira, 7 de abril de 2020

Da Pinheira a Floripa - Desembarque

Enfim, Floripa, de vento em popa
No domingo de carnaval, 27 de fevereiro, nem pisamos em terra na Pinheira. Foi só o tempo de tomar um bom banho de mar, contemplar aquela paisagem maravilhosa e o dia lindo, fazer o café da manhã expresso e içar as velas pra retomar nosso rumo.

A entrada na baía sul foi tranquila, com vento quase de popa, que nos permitiu usar o balão. Rumamos para um ponto da costa, perto da casa do nosso amigo Carlos, que ia me substituir na tripulação. Eu ia voltar para Porto Alegre, aproveitando que estava no meio do feriadão e certamente teria passagem de ônibus disponível. Por telefone, avisamos também outro amigo gaúcho que mora por lá, o Marthin. Logo, estavam os dois nos esperando na praia.

Meu desembarque foi patético, digno de amadores. Não tinha profundidade para chegarmos muito perto da praia, pois a maré estava baixa. Para complicar, o vento nos empurrava para a terra. Fui baixado com minha mala no nosso bote inflável, amarrado a um cabo, deixando que o vento me levasse. Como ainda estava longe de terra, a tripulação foi emendando outros cabos, até usarem todos os que tínhamos a bordo. Mesmo assim ainda acabei me molhando na arrebentação, paciência. Demos boas risadas.

Meio acabado, meio feliz


Embarcado o Carlos no Araruna, para me substituir na tripulação, o Marthin me deu uma carona para a estação rodoviária. Depois de comprada a passagem, estava eu fazendo um lanche lá e contando as aventuras, para diversão do Marthin, quando toca o telefone. O Araruna estava atracando num trapiche, pertinho dali. Como ainda tinha tempo, fomos a pé. O Carlos sugeriu uma escala nesse lugar, para abastecerem de água potável. Pena que não lembrou antes, pois teria simplificado muito a operação de embarque e desembarque. De qualquer forma, valeu a parada para nos despedirmos novamente, brindar com alguma cerveja que tinha sobrado e... quase esmagar o meu pé.

Num momento de distração, quando o capitão estava manobrando para reposicionar o barco no trapiche, eu tentei segurar a proa do barco, para amortecer a batida iminente nas tábuas, mas ele vinha embalado e subestimei a força necessária. Para piorar, esqueci o pé na borda do trapiche, onde ele foi "atropelado". De leve, mas suficiente para rasgar o tênis de pano por cima e o dedão ficar inchado. Tive receio daquele troço piorar na viagem de ônibus e cheguei a pensar em trocar a passagem e ir para um hospital fazer um raio X. Mas eu conseguia mexê-lo, então achei que não era grave. Achei certo, por sorte, e cheguei bem em Porto Alegre.

O Araruna seguiu viagem, rumo a Bombinhas e Porto Belo.

Não sou de fazer selfie, mas lembrei de pedir para minha filha fazer esta logo que cheguei em casa, para registrar a expressão de cansaço misturado com alegria. A bandeira ao fundo eu comprei junto com a que enfeita a popa do Araruna.

domingo, 29 de março de 2020

De Laguna à Pinheira

Passando pelo Farol de Santa Marta

No final da manhã de 26 de fevereiro, sempre com aquela brisinha mixuruca, chegamos a Laguna, onde mais uma vez seria necessário fazer uma escala para reabastecermos não apenas com o óleo diesel, mas também com gás, cerveja e outros alimentos menos essenciais. A entrada da barra foi meio tensa. Quando já estávamos quase entrando, enxerguei uma boia meio desbotada que indicava que o canal estava em outro lugar. Optamos por confiar no mapa do GPS e deu tudo certo. Mas era só o começo, pois nosso calado de metro e meio não era o mais adequado para passear por ali. Sinalização de canal, nem pensar. Fomos seguindo devagar pela direita, por onde vimos outros barcos.

Atracamos num trapiche vago e conversamos com pessoas que estavam por ali, e nos deram informação sobre onde ir, nos arrumaram um taxi e ainda ficaram tomando conta do barco. Para completar, o Ingo conseguiu uma mangueira substituta para o motor, com um sujeito que tinha uma oficina ali do lado, grátis.

O sol do meio dia nos encontrou (e castigou) andando pela cidade, onde almoçamos, fomos ao supermercado, ao posto de gasolina e à distribuidora de gás, tudo isso em pleno sábado de Carnaval, no meio da galera fantasiada e carros com sonzeira de tudo que é estilo. Por sorte era cedo e ainda dava pra andar na rua, pois se fosse mais tarde talvez encontrássemos tudo engarrafado. Demos boas risadas.

Entardecer no mar
Fomos embora loucos para voltar ao mar, torcendo para não encalhar na volta. A primeira onda que bateu no casco e respingou no convés, depois de sairmos da barra, foi recebida com gritos de alegria. O vento, para completar, tinha melhorado. Finalmente, desligamos o motor. O plano era irmos direto até a baía norte da Ilha de Santa Catarina, onde morava nosso amigo Carlos, que nos esperava, mas a previsão de chegada era no meio da madrugada. Para isso, teríamos de passar à noite pelo estreito que dá acesso à baía sul, entre a Ponta do Papagaio (no continente) e a dos Naufragados (na ilha, o nome já diz tudo), lugar perigoso pelas pedras e correntes causadas pela maré.

Como estava no meu turno, os parceiros dormindo, decidi fazer uma escala na Pinheira, para esperar o amanhecer. Logo o Paulo acordou e apoiou a ideia. Já era uma da madrugada quando lançamos âncora, primeiro ao norte da baía (eu achava que os morros nos protegeriam do terral que estava soprando), mas logo mudando para o sul, onde não entravam as ondas. Além de ser naturalmente um excelente abrigo essa praia, a iluminação pública era muito forte, facilitando a visibilidade.

Essa escala improvisada acabou sendo (para mim) o ponto alto da viagem, pois de manhã, quando nos jogamos na água, percebi que o objetivo principal era esse. Depois de tantos verões viajando de carro e ônibus até as belas praias de Santa Catarina, de ter ficado olhando com inveja aqueles veleiros que chegavam e ancoravam por ali, finalmente eu tinha chegado num deles. Chegar pelo mar na praia é que era o barato!

quinta-feira, 26 de março de 2020

De Rio Grande a Torres

Primeiro alvorecer no Atlântico Sul
Vencidos os molhes da barra de Rio Grande, rumamos para o Nordeste, acompanhando a costa deserta onde mal se via alguma luz aqui e ali. Mas as luzes das cidades ao longe, refletidas no céu, ajudavam a dar uma ideia da posição e da distância em relação à praia. Assim foi a noite toda e o amanhecer de sexta 24, com vento quase zero e motor funcionando o tempo todo.

Como nosso estoque de óleo diesel não era grande, foi preciso fazer uma escala para reabastecer, em Tramandaí. Na hora de lançar âncora, defronte à barra do Rio Tramandaí, fiz duas besteiras seguidas. Primeiro, saí correndo rumo à proa, para soltar a âncora, e devido ao bote inflável estacionado ali passei muito perto da borda do barco. Ao mesmo tempo, uma onda estava passando, como quem não quer nada, o que fez meu pé perder o contato com o convés (o chão onde eu pisava). O tombo n'água era iminente, mas aí cometi o segundo erro: tentar me segurar no guarda-mancebo (aquele cabo de aço que circunda toda a embarcação), por cima do qual eu fui lançado, usando mãos e pernas. Acabei pendurado, "ganhando" um arranhão na perna e torcendo um pouco o joelho,  por pura sorte, sem gravidade. É provável que cair no mar - o barco já estava parado, e os parceiros a bordo - tivesse sido mais divertido e inteligente, além de refrescante. Ainda precisei de ajuda pra sair daquele enleio, pois nem conseguia me puxar de volta sozinho.

Mas teve mais perrengue por ali. Embarcamos o Ingo no inflável, com um monte de galões vazios, rumo à praia. O Paulo conseguiu contatar o amigo Tonho Ely por telefone, quem se dispôs a dar carona até o posto de combustíveis. Na rebentação, lá se foi o bote onda abaixo, e o Ingo pra água com seus galões, por sorte amarrados um ao outro. Aparentemente, nada além de um banho forçado. Ao chegarem ao posto, contudo, a constatação: a carteira tinha se extraviado durante o pequeno naufrágio. O Tonho generosamente emprestou o dinheiro e trouxe o capitão de volta à praia, devidamente abastecido. Mais tarde, alguém encontraria a carteira. Mais um pouco de sorte.
Mais calmaria que isso, impossível...

Seguimos viagem faceiros. Ao passarmos por Xangri-lá, fizemos contato por telefone com o amigo Jorge, que estava veraneando por ali e viu nossa vela passar ao longe. Ao anoitecer, estávamos passando por Torres e entrando em Santa Catarina. O vento ia melhorando, muito lentamente. No meio da madrugada, durante o meu turno, eu tentava aproveitar aquela pálida brisa, porém o rumo do barco (que era preciso manter para aproveitá-la) ia dar na costa, lá adiante. Mantive até o último minuto, já sabendo que ao mudar o rumo teria de desistir da vela e ficar só no motor. Pois não é que bem naquela hora o vento muda a nosso favor? Mais um pouco de sorte, e já estávamos esbanjando a essa altura.

Não posso terminar a jornada sem ao menos tentar descrever a sensação de estar sozinho no convés, pilotando um barco à vela à noite no mar, que é das mais incríveis. Sensação de solidão absoluta e desamparo ante as forças da natureza, mesmo você tendo feito todo o dever de casa, tendo que contar com a sorte (de novo) de que nada vai estragar (no barco) ou dar errado (cruzar com uma baleia, uma rede ou sei lá). E apesar disso, ou por isso mesmo, é um prazer. O jeito é se concentrar no que é preciso e possível fazer, e não pensar muito no que pode acontecer. (E rezar, pra quem curte).

domingo, 30 de junho de 2019

Enfim, rumo a Santa Catarina

Resumida nas postagens anteriores a pré-história do Araruna - compra, transporte e reforma - e as origens do amor pela vela que anima seus tripulantes, agora podemos dar continuidade à saga com os fatos mais recentes (já nem tão recentes). Afinal, não é difícil adivinhar o principal motivo para alguém ter um barco desse tamanho no Rio Grande do Sul: chegar com ele até Santa Catarina. Por água, bem entendido. E agora estávamos prontos para a empreitada.

No inicio do Carnaval de 2017, após constatarmos a boa probabilidade de uma frente fria chegar ao Estado, planejamos levar o barco até Bombinhas SC. Na quinta-feira 23 de fevereiro, por volta do meio dia, recolhemos o Paulo, terceiro tripulante, na Rodoviária de Porto Alegre e pegamos a estrada rumo a Rio Grande, para onde o Ingo já tinha levado o Araruna há poucas semanas, com outra tripulação.

Enquanto Ingo fazia os últimos preparativos a bordo, Paulo e eu fomos fazer compras. Na volta, como não tínhamos almoçado e não queríamos perder tempo, comemos um cachorro quente - coisa que o Ingo não curte de jeito nenhum. O dono da carrocinha era um soldador, "apenas mais um" desempregado do pólo naval, que nos contou uma parte da sua história. Ele mesmo fabricou a carrocinha, anos atrás, para ajudar um familiar, sem imaginar que um belo dia ele mesmo a estaria operando. A cidade passa por maus momentos. O cachorro era bom.

Abastecida a nave com diesel e víveres (um rancho de mais de R$ 300 no supermercado, o que nos deu direito a um pano de prato de brinde, sempre útil a borda), e constatado o (fraco) vento favorável, com a maré vazante (também favorável), largamos as amarras por volta das sete horas, com os últimas luzes do dia. Na primeira curva, fomos xingados por pescadores, que gostariam que passássemos mais ao largo, para não atrapalhar a sua pescaria. Por sorte, passamos longe o suficiente para não entender os xingamentos, no que fomos ajudados pelo barulho do motor.

Com vento quase zero, seguimos lentamente pelo canal rumo à barra, até que o motor apagou. Ficar praticamente à deriva (sem motor, com vento quase zero) num canal onde a qualquer momento poderia se aproximar um navio enorme não é uma situação nada agradável para quem recém zarpou para uma viagem de mais de 600 km. Propus abortar a missão, mas o capitão, como de costume, menosprezou meus temores, garantindo que conseguiria resolver o problema rapidamente. O que ocorreu, após longos 15 minutos, embora o problema (o famoso "ar falso") voltasse a aparecer diversas vezes ao longo da primeira metade da viagem, deixando-nos apreensivos, até a solução definitiva.

A tão aguardada saída da barra foi a coisa mais tranquila, decepcionante até, parecia mais uma piscina, mais parado até que a lagoa. Então aquilo que era o terrível litoral do Rio Grande? E dê-lhe motor.

quarta-feira, 10 de abril de 2019

De volta à água

Será que boia? O Alemão Carlos assiste, vestido
de forma adequada à solenidade do momento.
No tão aguardado dia 4 de setembro de 2014, o Araruna foi içado sobre um caminhão (devidamente habilitado, dessa vez) e trazido a Porto Alegre. Levado a um depósito de areia, sob a ponte do Guaíba, foi finalmente posto em águas doces, um ano e quatro meses depois de ser içado em Santos. (A foto de capa deste blog ilustra esse momento histórico, e a alegria dos marujos ali retratados dispensa legendas) Nosso amigo Carlos, vulgo Alemão, também velejador, acompanhou a operação, junto com o Fernando, auxiliar do Ingo.

Dali, seguimos a motor para o Clube Veleiros do Sul, onde já estava acertado com o Niels e sua equipe a montagem do velho mastro reformado, que aconteceria no dia seguinte. À noite, comemoramos no Veleiros com cerveja e comida mexicana. 

De boa na Lagoa, com garoa. Quem tem piloto automático,
tem tudo.
A nota triste (e lamentável) ficou por conta da minha caminhonete, que teve um pneu furado no estacionamento do clube, por alguém que não gostou do meu adesivo do PT. Mas ao longo dos próximos quatro anos, eu continuaria achando que o borracheiro tinha se enganado e era apenas um acidente, em vez de sabotagem. Só me caiu a ficha quando soube que alguns associados dessa agremiação (onde não pretendo pisar novamente) rejeitaram o Duca Leindecker e a Manuela D'Ávila, em 2018.

Para complicar, a GM teve a brilhante ideia de colocar umas capas nos parafusos da roda, de modo que eu, que nunca ia imaginar uma coisa dessas, não consegui nem desmontar a roda, tendo que ir daquele jeito mesmo até o borracheiro. O Ingo dormiu no barco e voltei para casa.

Feita a montagem do mastro, sem percalços, no dia seguinte zarpamos rumo a Tapes, com uma vela mestra (de um Soling) emprestada pelo Niels e a buja reserva (já que as nossas titulares tinham sido praticamente destruídas no tombo do mastro em Santos). Em seguida, o motor começou a vazar diesel. Fizemos uma atracação de emergência no Jangadeiros, onde encostamos no Raccso, o trawler do amigo lajeadense Rubem, após conversar por telefone com a Cristina, que nos atendeu com muita amabilidade.
Fim da (primeira) epopeia: o Araruna descansa
em seu novo lar, o Iate Clube Tapense

Resolvido o problema pelo Ingo, zarpamos já ao cair da tarde, sob uma chuva fina, rumo à Lagoa dos Patos. Noite fechada, abrimos a buja, mas seguimos motorando, meio receosos de botar mais pano no vento. Era quase de manhã quando chegamos a Tapes. Antes de dormir, abrimos e esvaziamos uma champanha, para comemorar o final daquela longa jornada, iniciada em Parati. O Araruna tinha um novo lar.