domingo, 28 de abril de 2013

Fim da linha em Santos: agora é com o caminhão

Na marina, encardido e sem mastro: melancólico fim da linha
para o Araruna
Fizemos contato por rádio com a Marina Pier 26, avisando que iríamos antecipar nossa chegada. Já era noite fechada. A entrada na baía de Santos tinha dezenas de navios ancorados à espera da atracação, oferecendo ao longe um discreto espetáculo de luzes.
O lendário Paratii, de Amyr Klink, em reparos na mesma
marina: um bom presságio.
Conscientes da nossa insignificância, fomos humildemente nos esgueirando, por dentro do canal, mas bem à margem. Ao nos aproximarmos da cidade, a intensa iluminação dificultava o reconhecimento da sinalização e até de eventuais embarcações pelo caminho. O auge da emoção foi quando um imenso cargueiro de containers vinha saindo do porto. Pareceu por alguns intermináveis instantes que ele passaria por cima de nós. Porém graças à carta náutica ("mapa", para os leigos) nós sabíamos com absoluta (?) certeza que ele tinha que fazer a curva para estibordo, pois afinal era por ali que o canal seguia. Bom, ele fez a curva e nós estamos aqui sãos e salvos contando essa história.
Do canal principal fomos derivando para uma rede de canais que abastece diversas marinas, seguindo as orientações passadas por rádio e a carta do GPS. Na chegada, tomamos aquele necessário e demorado banho (o último havia sido em Paraty!) e preparamos o último jantar a bordo. Parafraseando aquele ditado: "Dia de tainha assada pelo Bruno, véspera de miojo".

De volta a Porto Alegre, via aérea.
Na manhã de domingo, Ingo e Fernando foram de ônibus até Bertioga, buscar a camionete, enquanto eu me encarregava das tratativas na administração da Pier 26, onde fui muito bem recebido. Ficou acertado que iríamos enviar um caminhão para carregar o barco na próxima quarta-feira, feriado do primeiro de maio. Teríamos de confiar no pessoal da marina e no motorista do caminhão, já que nenhum de nós poderia ficar aqui para supervisionar a delicada operação (o que teria sido ideal).
Voltando de Bertioga, os parceiros me apanharam na marina e deixaram na Rodoviária, seguindo viagem para o sul. Tomei um ônibus para São Paulo, depois metrô, outro ônibus e finalmente o avião para Porto Alegre, onde ao fim da tarde eu já estava no aniversário da pequena Sofia, com bastante histórias pra contar.

sábado, 27 de abril de 2013

Pescando mastro e outras indiadas

Foi bem ali, perto daquela ilha. Acho que dá para encontrar.
Como a travessia estava lascada mesmo, o jeito era relaxar e, como tinha peixe fresco à mão, Bruno se encarregou de assar umas tainhas no capricho para o jantar.

Não demorou muito para nos darmos conta de que mais estúpido do que ter deixado o mastro afundar sem nenhuma boia marcando sua localização seria ir embora sem ao menos tentar resgatá-lo. A profundidade não era tão grande, uns 15 m, o local estava marcado no GPS, o tempo estava bom. Não era impossível, portanto.

Enquanto Ingo ia atrás de um mergulhador disposto a encarar a missão, Bruno e eu fomos procurar uma marina onde fosse possível retirar o Araruna da água, para transportá-lo de caminhão até o Sul. A única que tinha equipamento para fazer o serviço com segurança cobrava muito caro. Pegamos o bote inflável, instalamos o motor pequeno e nos tocamos canal acima, para ver as outras.
Depois de um belo almoço regado a cerveja por ali, que quase nos fez esquecer a tragédia do dia anterior, ficamos sem gasolina. Para completar, um sujeito nos conseguiu um litro de gasolina... velha. A volta foi um parto, um ia remando enquanto o outro puxava até cansar a correia para fazer pegar o motor, que quando ligava funcionava na lenta por uns 30 segundos e depois morria de novo. Para fechar com chave de ouro o dia, ao fim desse lindo passeio eu ergui o motor de popa do inflável sem antes fechar o raio da válvula, inundando o bote com gasolina. Foi esse o fim da viagem para o Bruno, que retornou a São Paulo para pegar o vôo de volta a Porto Alegre, um bocado frustrado, mas com a Carteira da FUNAI renovada por mais um bom período.

Por telefone, acabei fechando negócio para a retirada do Araruna d'água com a marina Pier 51, em Santos. Pensamos em levar o barco até lá, no dia seguinte, em princípio por dentro do canal, mas não observamos um tráfego constante de embarcações maiores por ali. Tentamos nos informar sobre o calado (profundidade), que no Araruna é de 1,5 m, mas recebemos respostas contraditórias.

Pescaria de mastro, nunca ouviu falar?
O mergulhador fez o seu trabalho, mas não achou sinal do mastrto. A água estava turva. O plano B dependia da habilidade de pescador do Fernando. Consistia em preparar um espinhel com uns anzóis reforçados e fazer uma varredura em torno do ponto exato do incidente, tentando enganchar o nosso tesouro submerso. Fizemos isso ao fim da tarde, novamente sem sucesso. Em vez de voltarmos a Bertioga, para tentar a passagem pelo canal, tivemos a sábia ideia de levar o barco pelo mar mesmo até a Pier 51, pois já estávamos quase na metade do caminho. Uma vez lá, alguém voltaria de ônibus a Bertioga para buscar a camionete.


quinta-feira, 25 de abril de 2013

De Bertioga até perder o mastro

Lua cheia sobre Bertioga, ao fim da tarde
Chegando em Bertioga, era preciso reabastecer, para o que foi necessário encher o inflável, fixar nele o outro motor de popa, menor, subir motorando canal acima, até um posto, dentro de uma marina, na margem direita do canal, ou seja, na Ilha de Santo Amaro. Depois de embarcado Bruno, novo tripulante, e sua bagagem, mais alguns mantimentos; e desembarcado o Fernando, que voltaria a Paraty de ônibus para buscar a camionete, partimos no final da tarde da quinta-feira, 25 de abril, data que nunca mais esqueceremos.

O vento, pela primeira vez, começava a refrescar, prometendo uma velejada de verdade. Já estávamos cogitando desligar o motor quando, na metade do caminho até Santos, o mastro tombou para boreste, fazendo um barulhão que nos deixou apavorados. Um ou dois estais tinham se rompido, ao que parecia; ou não estavam bem fixados. Princípios de pânico a bordo.

O barco balançava um pouco, devido ao peso do mastro, e nosso maior medo não era de todo sem fundamento, o de que a cruzeta furasse o casco, batendo nele com o balanço do mar. Mas pouco provável, analisando friamente agora, aqui no meu apartamento sequinho e que não balança. De qualquer forma, era impossível prosseguir daquele jeito. Estávamos a uma distância segura da costa, mas se derivássemos na sua direção, empurrados pelo vento, podíamos bater na Ilha do Arvoredo, uma ilhota a pouco mais de um quilômetro de onde estávamos, defronte à Praia de Perequê.

Entrei na cabine, coloquei o colete salva-vidas e alcancei outros para os colegas. O rádio, sem o mastro, no alto do qual estava sua antena, não funcionava. Fizemos contato por celular com a marinha, não sei quem tinha ou como descobrimos rapidamente o número. Bruno e eu chegamos a ligar os dois ao mesmo tempo, tão atarantados estávamos. Soubemos pela Marinha que havia um naufrágio de verdade acontecendo ali perto, e só poderiam nos ajudar depois de socorrer as seis pessoas a bordo da embarcação que afundava.
É óbvio que na hora que o mastro caiu ninguém se lembrou de tirar fotos.
Desembestei a soltar sinalizadores. Dois, daqueles de para-quedas, falharam. No escuro, eu não conseguia ler as instruções, mesmo de óculos. Um facho funcionou. Por ignorância, soltei um fumígeno, que só se usa à luz do dia, quase não se vê à noite. A situação não era, em resumo, tão apavorante; os marujos é que eram novatos. O motor funcionava, o barco não fazia água (depois que Ingo reforçara aquele remendo no espelho de popa). Mesmo assim, sem pensar muito, optamos por soltar do convés os estais que restavam, desprendendo o mastro totalmente, com retranca, velas, adriças e tudo o mais. Livres daquele incômodo, fizemos meia volta e fomos motorando de volta, dormir em Bertioga, para pensar no que fazer no dia seguinte. Ainda choque, mas abobadamente felizes por estarmos vivos. Embora houvéssemos marcado com o GPS o local exato do sinistro, por incrível que pareça ninguém teve a ideia de amarrar no mastro qualquer coisa que flutuasse, permitindo assim que pudéssemos resgatá-lo facilmente no futuro.

quarta-feira, 24 de abril de 2013

De Paraty a Bertioga: finalmente navegando

Prontos para a partida
Acordamos pela primeira vez com a maior auto-confiança, de quem comprou um motor novinho em folha. Ingo improvisou um suporte na popa para ele, com parafusos auto-atarraxantes, que no primeiro teste quase foi para o fundo do mar com motor e tudo. Já tínhamos até nos despedido do Luiz e companhia, com direito a foto. Aliás, o Luiz tinha visto aquela gambiarra e alertou que não ia funcionar. Dito e feito. Pagamos o mico de voltar ao trapiche, trocamos os parafusos por outros, com porca, agora sim. Esse motor só ia ser desligado quase vinte e quatro horas mais tarde. Na hora de embarcar, foi a minha vez de escorregar com o chinelo de dedo (evite usar isso a bordo de qualquer embarcação) e bater a canela na plataforma de popa. Mergulhei na água, não sei bem como, inutilizando o celular, na pior hora possível.

Adeus, Paraty
O vento variava de fraco a inexistente, mar tranquilo. Curtimos um belo por de sol, seguido de uma belíssima lua cheia. A parte inesquecivelmente ruim era um fio de água que entrava por um buraco no espelho de popa, causado pela infiltração ao redor de uma vigia mal instalada pelo antigo dono, e remendado provisoriamente pelo Ingo.

Chegando à Ponta da Joatinga
Se fosse só água, até que eu não me importava, o pior é que ela passava pelo compartimento do motor, “lavando” os restos de óleo, que carregava para baixo do assoalho da cabine. Passamos a viagem nos revezando na remoção dessa água, procurando evitar que ultrapassasse o nível do assoalho (que ficaria emporcalhado e escorregadio como o diabo), com pano e um balde que ia e vinha do convés para a cabine e vice-versa.

Respirar o cheiro de diesel agravava o enjôo, então a cada tanto era necessário sair correndo e ficar uns dez minutos no convés, respirando ar fresco, para se restabelecer. Como o vazamento era acima da linha dágua, variava conforme a direção das ondas e a velocidade do barco, chegando a parar por vezes, dando uma trégua.

Já era noite quando passamos a Ponta da Joatinga. Depois de ajustar o rumo no piloto automático, Ingo desmaiou lá na cabine de proa, e fiquei no comando. Ele tinha traçado um trajeto por fora da Ilha de São Sebastião, ainda longe, mas como agora aproveitávamos um pouco de vento pela popa, foi ficando meio desconfortável, aquela coisa da retranca trocando de lado volta e meia, com um soco. Desviar uns graus a bombordo resolveria, mas nos afastaria mais ainda de terra. Além disso, o lado de fora da ilha era bem deserto e, quando a deixássemos pela manhã, ficaríamos muito distantes da costa no trecho até Bertioga, embora a distância total fosse menor, razão pela qual Ingo havia escolhido esse trajeto.
Amanhecer no canal de Ilhabela
Atraído pelas luzes da civilização, que me transmitiam alguma segurança, como marinheiro novato, decidi mudar de bordo e de rumo, rumando canal adentro, isto é, passando entre ilha e continente. Logo, antes de clarear o dia, fui recompensado com um terral, que me fez obrigou a desligar o piloto automático e pegar o leme na mão. Era o melhor vento até então, mesmo tendo durado pouco. O receio do Ingo em passar por ali era o tráfego de navios, mas estava bem tranquilo àquela hora.

Almoço a bordo
Acabou sendo uma boa escolha, mesmo que tenha aumentado um pouco a distância. Linda paisagem, ainda mais com o dia nascendo, animando a tripulação. Para completar nossa alegria, depois do café Fernando pescou nosso almoço.

Após deixar a ilha para trás, atravessamos a longa baía numa bela manhã de sol, praticamente só no motor, e ao chegarmos em Bertioga o Bruno já nos aguardava por lá. A barra do canal não tinha sinalização, mas a profundidade era boa, fomos avançando devagarinho sem sustos até ancorar, pertinho da margem esquerda, um pouco à montante do cais da barca que faz a travessia rodoviária. A alegria de termos conseguido chegar com segurança era ainda maior do que a de zarpar, mal cabia em nós. Para o Fernando, era um batismo de mar.

sexta-feira, 19 de abril de 2013

Terceira tentativa: ou vai ou racha

TERCEIRA EXPEDIÇÃO – Abril 2013

Não chega a ser de todo ruim... 
Ou o terceiro módulo do International Boat Management Program Certificate (IBMPC). A terceira etapa foi marcada para 19 de abril, apropriadamente o Dia do Índio no Brasil. Na última hora, Irno desistiu da viagem. Partimos – agora sim - na camionete Nissan do Ingo, com Fernando e eu, na sexta à noite. Paramos para dormir em Palhoça, casualmente a cidade onde moram Helena e Rogério, nossos amigos donos do 33 pés Santa Preguiça, que já tiveram o Ingo como tripulante numa travessia.



...ter de voltar a esse lugar

Eu havia lhes enviado, já em cima da hora, um convite, por correio eletrônico, para se integrarem à tripulação, mas não havia recebido resposta antes de sair, nem tinha acesso à Internet na estrada. Era um pouco tarde para ligar pra eles, agora. Depois, já em Parati, eu ficaria sabendo que eles estavam ocupados na mudança de casa. Acabei convidando o Bruno (Cascata), meu mais frequente proeiro de 470 no Guaíba, também habitual praticante de windsurf. Ele topou, mas só poderia viajar na quarta 24. Combinamos que, se tudo corresse conforme esperávamos, ele poderia embarcar no caminho, no litoral paulista provavelmente.
Fernando tentando apanhar uma refeição pra viagem

Num dos primeiros pedágios, Ingo resolveu instalar um daqueles aparelhinhos que permitem passar sem parar pelas cancelas. Nos próximos, descobrimos que ele não funcionava. Sempre tinha que vir alguém, contávamos a história, mostrávamos o aparelho, abriam a cancela manualmente, em suma, demorava o dobro. Até que descobriram que a placa tinha sido registrada com erro. Até ai, tudo bem, mas agora começa a burrocracia (com dois "r"): o cadastro foi feito num posto de pedágio, mas a correção do cadastro, só por telefone. Liguei para o número que me deram e me pediram para enviar o certificado de propriedade do carro por fax. Bom, o fato é que não tínhamos fax no carro. Nem no barco.

Eram nove da noite do sábado dia 20, quando chegamos na Marina do Engenho, nessa que seria a última visita. Levou uma interminável meia hora até encontrarem a chave da cabine do barco, no painel onde ficavam centenas de chaves, aparentemente organizadas. No dia seguinte, pagamos para outro mergulhador trocar o hélice, que deu um trabalho. Confirmado o diagnóstico da inversão do hélice, mesmo assim o motor continuava negando fogo. O jeito foi desistir daquela sucata (ao menos por enquanto) e comprar um motor de popa para quebrar o galho. 
Será que esses urubus tão agourando?

O problema é que quando finalmente decidimos fazê-lo, já era terça-feira, justo o dia de São Jorge, feriado no Estado do Rio. Fomos de camionete até Ubatuba, em São Paulo, onde, depois de uma rápida pesquisa – já era final da tarde – adquirimos um possante Mercury de 15 HP.