domingo, 30 de junho de 2019

Enfim, rumo a Santa Catarina

Resumida nas postagens anteriores a pré-história do Araruna - compra, transporte e reforma - e as origens do amor pela vela que anima seus tripulantes, agora podemos dar continuidade à saga com os fatos mais recentes (já nem tão recentes). Afinal, não é difícil adivinhar o principal motivo para alguém ter um barco desse tamanho no Rio Grande do Sul: chegar com ele até Santa Catarina. Por água, bem entendido. E agora estávamos prontos para a empreitada.

No inicio do Carnaval de 2017, após constatarmos a boa probabilidade de uma frente fria chegar ao Estado, planejamos levar o barco até Bombinhas SC. Na quinta-feira 23 de fevereiro, por volta do meio dia, recolhemos o Paulo, terceiro tripulante, na Rodoviária de Porto Alegre e pegamos a estrada rumo a Rio Grande, para onde o Ingo já tinha levado o Araruna há poucas semanas, com outra tripulação.

Enquanto Ingo fazia os últimos preparativos a bordo, Paulo e eu fomos fazer compras. Na volta, como não tínhamos almoçado e não queríamos perder tempo, comemos um cachorro quente - coisa que o Ingo não curte de jeito nenhum. O dono da carrocinha era um soldador, "apenas mais um" desempregado do pólo naval, que nos contou uma parte da sua história. Ele mesmo fabricou a carrocinha, anos atrás, para ajudar um familiar, sem imaginar que um belo dia ele mesmo a estaria operando. A cidade passa por maus momentos. O cachorro era bom.

Abastecida a nave com diesel e víveres (um rancho de mais de R$ 300 no supermercado, o que nos deu direito a um pano de prato de brinde, sempre útil a borda), e constatado o (fraco) vento favorável, com a maré vazante (também favorável), largamos as amarras por volta das sete horas, com os últimas luzes do dia. Na primeira curva, fomos xingados por pescadores, que gostariam que passássemos mais ao largo, para não atrapalhar a sua pescaria. Por sorte, passamos longe o suficiente para não entender os xingamentos, no que fomos ajudados pelo barulho do motor.

Com vento quase zero, seguimos lentamente pelo canal rumo à barra, até que o motor apagou. Ficar praticamente à deriva (sem motor, com vento quase zero) num canal onde a qualquer momento poderia se aproximar um navio enorme não é uma situação nada agradável para quem recém zarpou para uma viagem de mais de 600 km. Propus abortar a missão, mas o capitão, como de costume, menosprezou meus temores, garantindo que conseguiria resolver o problema rapidamente. O que ocorreu, após longos 15 minutos, embora o problema (o famoso "ar falso") voltasse a aparecer diversas vezes ao longo da primeira metade da viagem, deixando-nos apreensivos, até a solução definitiva.

A tão aguardada saída da barra foi a coisa mais tranquila, decepcionante até, parecia mais uma piscina, mais parado até que a lagoa. Então aquilo que era o terrível litoral do Rio Grande? E dê-lhe motor.

quarta-feira, 10 de abril de 2019

De volta à água

Será que boia? O Alemão Carlos assiste, vestido
de forma adequada à solenidade do momento.
No tão aguardado dia 4 de setembro de 2014, o Araruna foi içado sobre um caminhão (devidamente habilitado, dessa vez) e trazido a Porto Alegre. Levado a um depósito de areia, sob a ponte do Guaíba, foi finalmente posto em águas doces, um ano e quatro meses depois de ser içado em Santos. (A foto de capa deste blog ilustra esse momento histórico, e a alegria dos marujos ali retratados dispensa legendas) Nosso amigo Carlos, vulgo Alemão, também velejador, acompanhou a operação, junto com o Fernando, auxiliar do Ingo.

Dali, seguimos a motor para o Clube Veleiros do Sul, onde já estava acertado com o Niels e sua equipe a montagem do velho mastro reformado, que aconteceria no dia seguinte. À noite, comemoramos no Veleiros com cerveja e comida mexicana. 

De boa na Lagoa, com garoa. Quem tem piloto automático,
tem tudo.
A nota triste (e lamentável) ficou por conta da minha caminhonete, que teve um pneu furado no estacionamento do clube, por alguém que não gostou do meu adesivo do PT. Mas ao longo dos próximos quatro anos, eu continuaria achando que o borracheiro tinha se enganado e era apenas um acidente, em vez de sabotagem. Só me caiu a ficha quando soube que alguns associados dessa agremiação (onde não pretendo pisar novamente) rejeitaram o Duca Leindecker e a Manuela D'Ávila, em 2018.

Para complicar, a GM teve a brilhante ideia de colocar umas capas nos parafusos da roda, de modo que eu, que nunca ia imaginar uma coisa dessas, não consegui nem desmontar a roda, tendo que ir daquele jeito mesmo até o borracheiro. O Ingo dormiu no barco e voltei para casa.

Feita a montagem do mastro, sem percalços, no dia seguinte zarpamos rumo a Tapes, com uma vela mestra (de um Soling) emprestada pelo Niels e a buja reserva (já que as nossas titulares tinham sido praticamente destruídas no tombo do mastro em Santos). Em seguida, o motor começou a vazar diesel. Fizemos uma atracação de emergência no Jangadeiros, onde encostamos no Raccso, o trawler do amigo lajeadense Rubem, após conversar por telefone com a Cristina, que nos atendeu com muita amabilidade.
Fim da (primeira) epopeia: o Araruna descansa
em seu novo lar, o Iate Clube Tapense

Resolvido o problema pelo Ingo, zarpamos já ao cair da tarde, sob uma chuva fina, rumo à Lagoa dos Patos. Noite fechada, abrimos a buja, mas seguimos motorando, meio receosos de botar mais pano no vento. Era quase de manhã quando chegamos a Tapes. Antes de dormir, abrimos e esvaziamos uma champanha, para comemorar o final daquela longa jornada, iniciada em Parati. O Araruna tinha um novo lar.

segunda-feira, 1 de abril de 2019

Na estrada, no depósito e no estaleiro. O mastro reencontrado

À espera do caminhão: o Araruna, desmastreado, amanhece
na Marina Pier 26, em Guarujá SP
Depois de algumas postagens dedicadas a explicar de onde veio nosso amor pela vela, retomamos aqui o fio da meada interrompido quando perdemos o mastro do Araruna, no litoral paulista, e tivemos de voltar pra casa de avião, deixando o barco na Marina Pier 26, de Guarujá. Mal podíamos imaginar que a viagem do Araruna por via rodoviária, até o Rio Grande do Sul, seria tão ou mais aventurosa (ou desventurada) do que o trajeto marítimo.

Contratamos um caminhoneiro para buscá-lo, cientes (e ademais alertados pelo pessoal da marina) de que a ausência do proprietário na operação de içamento e embarque representava um risco adicional à integridade da embarcação (aquele ditado sobre o "olho do dono", conhecem?) Mas não havia remédio, não tínhamos como estar lá.

Mas deu tudo certo nessa etapa, e o caminhão seguiu seu rumo pela estrada, até ser parado pela Polícia Rodoviária Federal, já no sul de Santa Catarina. Ao que tudo indica, o veículo não tinha as credenciais para fazer esse tipo de transporte, já que o barco carregado ultrapassava a largura máxima permitida. Este, então, teve de ser descarregado num depósito, em Tubarão. Passados uns dois meses e diversos telefonemas entre nós e o proprietário do depósito, ele mesmo gentilmente nos conseguiu um frete "de volta" - um caminhão que voltaria ao RS vazio, e portanto cobraria um preço bastante em conta para trazer o barco. Dentro da lei, desta vez.

E assim, o Araruna veio a se tornar praticamente uma atração turística, na bucólica cidadezinha de Picada Café, na antiga região colonial gaúcha. Estacionado no amplo pátio de uma loja de material de construção, lá permaneceria por longos meses, ao longo dos quais recebeu uma reforma no casco, com a troca da plataforma de popa, e pintura completa. Para ser franco, o Ingo fez praticamente tudo sozinho, com suas lendárias habilidades de marceneiro e a ajuda do seu fiel escudeiro Fernando. Fiz umas duas ou três visitas, pra ajudar.

No meio disso tudo, meu sócio ainda encontrou tempo para fazer uma excursão, convencido de que conseguiria encontrar e resgatar o mastro perdido. Num dos dias mais frios da história, em julho, ele e o Fernando atravessaram a serra de Santa Catarina coberta de neve e chegaram a Santos, num dia de ressaca. Lá chegando, foram direto à praia do Perequê, onde encontraram quase todos os pescadores em terra. O plano era esquadrinhar as imediações do local onde o mastro havia afundado (marcado no GPS), com um espinhel de anzóis grandes, previamente preparado para a missão. Ocorreu que o primeiro sujeito que eles abordaram, em busca de um barco para alugar (péssima ideia num tempo ruim), após ouvir a história respondeu que conhecia o tal mastro, que ele mesmo tinha pescado com sua rede de camarões, a qual depois de um trabalhão ficou inutilizada.

Lá se tocaram para a casa do cara, em cujo pátio encontraram o mastro sobrevivente, com as velas infelizmente bem danificadas, sem utilidade a não ser como retalhos para algum remendo futuro. Eles não queriam cobrar pelo resgate, mas para compensar a gentileza e o prejuízo com a rede o Ingo se ofereceu para comprar dele um motor Volvo usado, que estava ali dando sopa,  por um preço bem em conta. Era parecido com o do Araruna e viria a ter utilidade para reposição de peças. Fechado o negócio, foi necessário aguardar mais algum tempo, até que um caminhão a serviço de nossos amigos lajeadenses passasse por lá, para fazer o transporte. O mastro ainda fez uma escala em Osório, no camping da Pinguela, onde nosso amigo Irno tem um trailer. De lá, seria levado diretamente a Porto Alegre, para o Niels refazer o estaiamento.

No próximo capítulo, o Araruna fará o percurso contrário: a tão sonhada viagem de barco até Santa Catarina.